quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Impressões

Era meia-noite de sexta-feira, os resultados da candidatura do acesso ao ensino superior estavam prestes a ser divulgados. Deveriam ser afixados apenas na segunda, pouparam-nos dois dias de sofrimento. A espera pelos resultados foi a altura mais impaciente de toda a minha vida, era o meu futuro que estava em causa e a minha vida profissional dependeria daquela página.
(...)
A minha avó era uma excelente contadora de histórias e eu conseguia ficar horas a ouvi-la. Desde o antigo Egipto à antiga Grécia, passando pelo misticismo de lendas que só os mais velhos sabem. Contava histórias inverosímeis de guerreiros e princesas, eu sabia que a maioria era irreal, mas não me importava e como qualquer criança o mundo do fantástico e do imaginário fascinava-me.
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Periodicamente sentia aquele perfume, nunca a deixando de fitar, acabando por sentir curiosidade e ao mesmo tempo ficando petrificado. Queria desviar o olhar, mas era impossível e naquele momento já não controlava as minhas acções deixando de ouvir momentaneamente.
Ela aproximou-se, ouvia os seus passos ritmicamente descoordenados com o meu ritmo cardíaco, acabando por ter alguma dificuldade em respirar. Baixo o olhar e quando o volto a levantar, cruzamo-lo. Naquele momento consegui ver a mesma curiosidade nela, eu sentado e ela de pé parada durante alguns segundos com uma bandeja cheia, olhávamo-nos cumplicemente. Retoma a marcha, olhando-me persistentemente. De um momento para o outro tropeça no pé de um dos poucos clientes, cai de joelhos mesmo à minha frente.
(...)

***
Não. Não. Não. Disseram-me que com o tempo ia passando, mas cada vez está mais vivo. O meu desejo cresce e cresce e cresce, mas tu vais-te tornando ausente à medida que os dias passam. Vais e vens como se duma simples brisa se tratasse. Morro a cada momento, morro lentamente para que todo o tormento seja sentido, respirado, ouvido e visto.

Eu não me reconheço, olho-me no espelho e não sei quem enxergo. No que me tornei? Sou quem nunca quis ser. Pensava que controlava o que sentia, mas não fui capaz. Desiludi-me. Cheguei a desejar que nunca tivesses existido, que as nossas vidas nunca se tivessem cruzado e talvez agora eu fosse menos infeliz, menos angustiado e menos sombrio. Não sei por onde vagueio nem onde pararei.

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