sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Reencontros

Eu estava a cerca de quatro metros de distância da porta de entrada, mas o seu cheiro já me intoxicava sendo inconfundível, Reconhecendo-a pelos olhos e pelos seus finos lábios. Vinha acompanhada pelo Simão como seria de esperar.
(...)
Finalmente pude senti-la nos meus braços, senti-la como nunca antes sentira. Éramos apenas nós naquele baile, todos os outros tinham desaparecido e por momentos soltávamo-nos dos nossos casulos e deixamo-nos profanar. A música guiava-nos em passos meticulosa e subtilmente pensados. A sua respiração tornava-se cada vez mais asmática e conseguia sentir-lhe uma pulsação ridiculamente acelerada, mas ela continuava sem me olhar até que por fim o decidira fazer. Aquele olhar não era de felicidade, mas também não era de tristeza. Estava inundado com uma melancolia como se estivesse aprisionada a algo, como se deseja-se fazer algo que o seu pudor impedira. Eu esboçava-lhe um e mais outro sorriso na esperança que ela mo retribui-se, mas não o fizera.
(...)
Não lhe dirigi a palavra, peguei-lhe na mão e conduzia-a. – 1, 2, 2; 1, 2,2; 1, 2, 2. – Dançamos com grande timidez e periodicamente todos os mascarados olhavam-nos. Flutuávamos, ela de cabeça baixa e eu tentando encontrar o seu olhar. As nossas máscaras estavam perfeitamente concordantes e aquela música era ideal para o nosso enredo. Passado pouco tempo ela pousa a cabeça no meu peito e eu numa única fungadela tentei absorver o máximo do seu perfume. Agarrei-a firmemente contra mim sentido o maior dos desejos, um desejo que não mais poderia ser contornado.
(...)

***

Quem disse que recordar é viver não sabia o que dizia. Quanto mais recordo mais morro, mais me afundo, mais escuro me torno e a noite consome-me. A cada passo a bruma que me rodeia torna-se opaca, vou deixando de ver aos poucos e a cada dia a minha cegueira agrava-se. Não tenho forças, já mal me levanto, as pernas fortes que outrora tinha, desapareceram e os quilómetros que fazia passaram a metros e agora a centímetros. Já não sei correr e muito menos andar, por isso não me levanto.

(...)

Volta, volta e preenche este vazio. Volta para eu conseguir sonhar outra vez, mas volta para mim. Eu prometo que mudo, faço tudo de outro modo e não te deixo sozinha a definhar. Desta vez não me isolo no laboratório e admito o que se passa, desta vez fico sempre contigo, acredita que não te deixo nem por um instante. Fica comigo? Acredita que vai ser diferente, eu prometo-te.
Está a chover. Lembraste quando ficávamos em casa a ouvir a chuva cair enquanto a lareira estava acesa? Costumávamos estender uma manda de frente para ela e ficávamos ali sentados, só nós os dois e duas chávenas de chá. Costumavas dizer que a chuva renovava e modelava, era agente de transformação, que a queda de cada gota era sinal de vida. Enganaste-te, neste momento a chuva não me traz qualquer consolo.

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